Início de Outubro do ano anterior.
Esperei anos da minha vida para
estar nesse lugar, mas na verdade, agora, desejaria nunca ter vindo, era meu
sonho... Tornou-se meu maior pesadelo. Eu estava no farol, era noite e as ondas
batiam com violência nas pedras, eu achava estranho as ondas baterem em pedras
antes de bater na areia, o frio salgado que fazia naquele lugar solitário, eu
estranhava até as voltas que a luz do farol dava no mar, como ela se perdia no
oceano, era tudo tão deserto, mal podia acreditar que poderia existir vida além
mar, e que boa parte da minha tinha ido com ele. Eu não sabia o que fazer, eu
nunca imaginara estar ali naquela situação, a solidão dói em noites frias de primavera,
numa cidade que mais parecia verão, era uma mistura de frio e calor, do calor
que saia de minha alma e do frio que assentava em meu corpo, eu me apertava
cada vez mais, e chorava copiosamente na ausência de qualquer testemunha, ao
menos era isso que eu pensava até então.
— Com licença, pode achar que é
um completo atrevimento de minha parte, mas te vi sozinha de longe e achei um pecado
isso, nesse cenário, se não te incomodar, eu poderia te fazer companhia? —
disse uma voz, mas não era a que eu queria, era uma voz masculina e forte, ouvi
mas não me virei, não queria ninguém ali, e muito menos que ele visse minhas
lágrimas, mas minha voz trêmula era algo realmente denunciador.
— Me incomodo, estou bem sozinha.
— disse eu com a maior firmeza que concebi.
— Desculpe minha insistência, mas
esse lugar não costuma ser muito seguro a essa hora, e sei que pode não
acreditar em mim, sou um estranho, mas não quero te fazer mal, me sentiria
péssimo em deixar uma jovem tão linda aqui sozinha... Posso ao menos te
oferecer uma carona?
Aquele homem era insistente e não
parava de falar coisas gentis, isso não seria um problema, mas eu estava
péssima e eu queria ouvir tudo aquilo, mas não daquele senhor, então fui o mais
franca possível, virei-me e comecei a falar, já não me continha nem escondia
lágrima alguma:
— Não aceito carona, e sim estou
sozinha aqui, e não me importo se acontecer alguma coisa comigo!
— Você... — Ele fez um momento de
pausa e ficou me olhando, eu não sabia exatamente o que ele pensou, mas ele
tirou seu casaco e me deu naquele momento e me abraço — Está tremendo de frio!
Por favor, se quiser pode sentar comigo aqui, ou em outro lugar e
conversaremos, mas não vou te deixar sozinha, e muito menos chorando desse
jeito!
— Você nunca entenderia! E eu não
quero falar disso com o senhor! — Disse eu me afundando naquele casaco macio
que quase me aquecia, eu não sentia medo dele, e ao que parecia todas suas
energias estavam concentradas em mim.
— Deixe-me ao menos te levar para
casa, não te farei mal, te dou minha palavra.
— Não tenho para onde ir. — disse
eu com um embargo absoluto.
— Como? Onde está sua família? De
onde você é?
— Sou de uma cidade pequena bem
distante daqui, tenho mãe e irmãs, mas não tenho para onde voltar... — coloquei
a mão na cabeça e me abracei, mal percebi quando escorreguei até o chão
enquanto falava — O senhor nunca entenderia! Eu estou aqui e larguei tudo, não
tenho para onde voltar, e eu esperava que alguém estivesse aqui por mim... Mas,
não está! — Eu olhava para o mar e chorava mais ainda, a respiração falhava,
tudo doía.
— Você veio ver alguém e essa
pessoa não veio a seu encontro? É isso. — concluiu ele enquanto tentava me
levantar e me confortava num abraço tão acolhedor que mal percebi que já estava
em volta de seus braços.
— Sim. É isso. — Respondi
enquanto respirava profundamente o aroma de seu casaco, cheirava a perfume
importado, dos bons, daqueles que a gente acha que só verá em filmes.
— Conte-me tudo sobre. — disse
ele enquanto afagava meus cabelos.
— Eu nunca vi o mar antes, de
onde eu vim não tem mar... E eu sempre quis estar aqui, e estar aqui com
alguém, e essa pessoa não está aqui porque fez o que qualquer outra pessoa
faria: iria embora.
— Mas você não foi. — disse
calmamente.
— Não, não fui. — disse eu
tentando controlar a respiração.
— Isso mostra que você não é
qualquer pessoa. — disse ele olhando em meus olhos.
— Isso mostra o quão idiota eu
sou. — disse eu fazendo brotar um sorriso irônico entre meus lábios.
— Isso mostra que essa pessoa é
um idiota, porque deixou uma garota linda como você para trás e fez o que
qualquer um faria, posso te dizer uma coisa? Eu não faria o que qualquer um
faria.
Isso realmente me fez rir.
— E o que o senhor faria?
Ele me olhou por uns dois minutos
com ar de curiosidade, então me soltou e começou a falar:
— Ainda não tive o prazer de me
apresentar, meu nome é Roberto, e eu fiquei intrigado ao ver sua silhueta de
longe, e totalmente encantado quando vi seu rosto... Mas fiquei totalmente
fascinado por você quando começou a falar, ora, você aparenta ser tão jovem,
mas tem um brilho no olhar que parece se apagar aos poucos, e ao mesmo tempo é
a pessoa mais enigmática que eu já conheci, eu não consigo te ler, e olha, sou
bom com essas coisas.
Eu não esperava por isso.
— Não estou entendendo senhor...
— Não me chame de senhor, me
chame de Roberto, e eu poderia ficar aqui falando coisas ou simplesmente ter
ignorado tudo isso e ido para minha casa, mas algo me fez ficar, e eu sei que
você pode em chamar de louco ou de tarado, mas eu preciso te fazer uma proposta
e espero que você a veja com os bons olhos que eu vejo, me permite te perguntar
algo? Se não, prometo te deixar em paz, e sou um homem de palavra.
— Não tenho nada a perder.
— Excelente, era isso que queria
ouvir, bem não sei quem ou porque motivo, alguém que deveria estar aqui não
está, mas eu estou, e eu quero você para mim... — engoli a seco suas palavras
pretenciosas que soavam com uma calma confortante — Não, não se assuste! Eu
quero que seja minha mulher, que esqueça tudo que te trouxe até aqui, porque
você, de alguma forma estranha veio aqui para me encontrar e eu também, e eu
quero te conquistar, isso é um jogo pequena, e eu tenho regras: me dê uma
semana.
— Não estou entendendo se- ...
Roberto. — Não conseguia compreender, mas ao mesmo tempo eu não sentia medo
algum e tinha que admitir, ele foi a melhor coisa que me aconteceu até então.
— Eu vou te conquistar em uma
semana, se você se apaixonar por mim, como eu estou me apaixonando por você,
você terá tudo o que sonhar e eu puder te dar, e acredite; não é pouco! Mas não
quero que você fique comigo pelo meu dinheiro somente, uma semana, pequena, se
não se sentires a vontade, se não sentires o mesmo te levo para onde você
quiser e te deixo em paz, mas, você precisa me responder agora, aceita?
Meu coração disparou e eu pensei
em todos os motivos que me levaram aquele farol, como eu estava totalmente
perdida e sem ter para onde ir, e sobre tudo, naquele homem encantador que me
oferecia o mundo quando alguém que era meu mundo simplesmente me despedaçou.
Não havia o que pensar, ou qualquer arrependimento.
— Sim.
— Ótimo! — disse ele sorrindo e
batendo as mãos levemente enquanto molhava os lábios, te levarei para um hotel,
mas não se preocupe, não acompanharei, tenho uma semana! Vou usá-la com
sabedoria, mas diga-me, o que aconteceu com essa pessoa e você?
— Você disse que queria que eu
esquecesse tudo que aconteceu até aqui, não foi isso? Então, é exatamente isso
que vou fazer, e mais, tenho uma regra: você nunca vai me obrigar a fazer nada
que eu não queira, e isso inclui não falar de nada que eu queira esquecer.
Ele sorriu e concordou com a
cabeça, apoiou suas mãos em meus ombros e falou com satisfação:
— Você é incrível, pequena! Mas
vamos! Está ficando muito frio, vamos para meu carro, te deixarei no hotel e
amanhã te acompanharei até algum lugar interessante.
— Tudo bem. — me resumi a dizer
apenas isso, quanto mais me resumia, mais curioso ele ficava.
Caminhamos um pouco em direção a
sue luxuoso carro, o silêncio da noite foi irrompido por sua voz forte e
protetora, ele fava empolgadamente sobre os planos de amanhã, e depois, e
depois, e depois... Quando paramos em frente a seu carro ele deu uma pausa e
falou antes de abrir a porta para mim:
— Só preciso saber de mais uma
coisa... Qual seu nome?
Não fazia sentido falar a
verdade, meu passado já não me pertencia, então, achei coerente ter um novo
nome, uma nova idade, e pouquíssimas coisas eu levaria para essa nova vida, que
mal sabia ele, eu já aceitara viver, sorri e sussurrei em seu ouvido:
— Alice.
Ele beijou minha mão com
satisfação, abriu a porta do carro e falou:
— Bem vinda ao meu mundo, Alice,
uma linda vida espera por nós, não tenho dúvida que conseguirei você.
Ele realmente tinha conseguido
Alice, mas ninguém, por mais esforço que fizesse alcançaria quem eu fui, qual
era meu nome? Isso não importa, de agora em diante sou Alice, e vou ter tudo
que eu posso ter, este homem entrou em minha vida como um anjo, e literalmente
me abriu as portas do paraíso.
Me levou ao hotel mais caro da
cidade, levou-me a suíte presidencial, até a porta, sorriu e me despiu com os
olhos, com força e ao mesmo tempo delicadeza, como uma criança olha para seu
novo brinquedo de natal, aquele, que ela esperou um ano para ganhar, Beijou-me
a testa, a face e me deu um breve beijo, um beijo não, foi mais um leve tocar
de lábios, senti o gosto de cigarro em sua boca, acariciei seu rosto e ele se
afastou.
— Até amanhã, minha pequena Alice.
Até amanhã!
Fechou a porta com satisfação e
saiu, eu deitei naquela cama enorme e macia e desabei em prantos, mas, eu tinha
certeza, seria a ultima vez que eu choraria na vida, por aquele motivo.
CONTINUA.