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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Alice em Duas Partes: Eu não sinto sua falta!



— Acabou, Caroline. - disse ela com a voz mais fria que eu ouvi em toda minha vida.
— Não! Escuta, você está de cabeça quente, nós vamos dar um jeito, certo? Nós sempre damos!
— Caroline, acabou, eu não vou voltar atrás, entende isso, vai ser melhor assim.
— Eu vou até você, eu vou largar tudo aqui, eu não me importo com o que vai acontecer, só não vai embora antes de me ver, ok? Por favor, diz que vai fazer isso por mim! Você sabe que eu te amo... Não vou conseguir sem você!
— Não perde seu tempo, não vai ter ninguém aqui te esperando, aliás, preciso ir. Agora.
— Não faz isso, Amanda, eu te amo! - ouvi a ligação cair, tão seca, tão impessoal, sem sentimentos. A morte deve ser fria dessa forma.
Eu passei aquela noite chorando, eu chorei por toda a madrugada, e ao amanhecer, ainda me restavam lágrimas, lágrimas quentes e olhos inchados. Me restavam roupas para enfiar dentro de uma pequena mochila, quebrar o cofre, juntar o pouco dinheiro que eu tinha, respirar o ar da manhã. Ver o sol nascer.
Eu vi e tentei memorizar cada pedacinho do quarto que fora meu por toda a minha pouca vida, esses longos e confusos dezessete anos. Eu tentei lembrar do rosa gasto das paredes, dos três ou quatro ursos empoeirados nas prateleiras, dos livros que nunca tive tempo de ler; daquela meia perdida de baixo da cama, do all star sujo que eu não consegui espaço para levar, das roupas da estação passada que já em nada me representavam; os CDs que eu teria que deixar aqui. 
Deixei também minhas lembranças, das duas primeiras vezes que tive nessa mesma cama (vantagens de ser bissexual), as fotos, até dos pássaros que me despertavam toda manhã e eu odiava eu sentiria falta. Sentei na cama que eu não gostava e vi o sol nascer,empurrei com cuidado a porta do quarto de meus pais e os vi pela ultima vez. Eu sabia que seria a ultima vez. Deixei uma carta me despedindo em cima da mesa, mesmo sabendo que eles só notariam minha ausência, ou a carta quando eu já estivesse muito longe daqui.
"Eu estou indo embora por ela... E como vocês disseram que aconteceria, não sou mais sua filha. Adeus e sejam felizes, porque eu vou ser."
Foram minhas poucas palavras, abri as portas com cuidado, as tranquei e fui de uma vez, não olhei para trás. Tinha sido o momento mais corajoso da minha vida, e eu senti tanto orgulho de mim quando subi naquele ônibus e passei horas e horas dormindo e acordando assustada achando que não iria descer no lugar certo! Eu nunca tinha ido aquela cidade. Eu era muito corajosa em ir para lá. Passei boa parte da viagem tentando ligar para ela, e ela não atendia, era típico dela, ela estava chateada. Então mandei algo que ela não poderia ignorar "estou chegando na sua cidade, me encontre no farol às sete da noite. Vamos fugir, seremos livres!", eu sabia que ela não ignoraria isso!
Cheguei as seis e meia com o coração saindo pela boca e um pouco de frio. Às sete eu olhava para todos os lados e só via casais apaixonados e amigos com vinhos e violões. Às oito eu tentava te ligar e olhava desesperada para o ponto de ônibus, as pessoas chegavam e saiam, nenhuma era você. Ás nove eu me agarrava a minha camisa e segurava lágrimas que não saiam de jeito nenhum e procurava raciocinar o que iria fazer. Às dez eu estava sentada num canto de um banco com um casal que ignorava minha presença ao lado. Às onze meu queixo e todo meu corpo tremiam de frio e eu não sentia mais nada. Era meia noite e não havia mais ninguém, só algumas figuras estranhas, bêbados, drogados e olhos promíscuos, de alguma forma eu afastava a todos. Que corajosa sou eu, não? Ah, que burra! Porque ela estaria ali? Curioso, meu sonho era conhecer o mar, nunca tinha o visto antes, e hoje eu o odiava, ela estava em algum lugar do oceano indo para algum lugar que eu não conhecia, ela não morava mais aqui, e nem eu em mim. Às uma eu já não era mais eu. Às duas eu nem sabia quem eu era, e às duas e meia eu seria qualquer uma menos Caroline. Ela nem ao menos disse que me amava, ou que sentia minha falta. Era ridículo pensar nisso numa hora dessas. Às três Roberto chegou, e o resto Caroline não sabe, porque Alice havia tomado o controle de tudo. 

***

— Eu sinto sua falta! — ela sussurrou ao meu ouvido antes de me beijar. 
Então eu a empurrei para longe.
— Você é a pessoa mais nojenta que eu conheci em toda minha vida, você sentiu minha falta quando estava naquele navio fudendo com um riquinho qualquer?
— Você não tinha a língua afiada assim antes, e não foi um riquinho qualquer, foi o riquinho com que você gostaria de estar fudendo agora.
— Eu odeio você. Eu. Odieo.Você.
— Ah, não! Você me ama! Me disse isso tantas vezes, como poderia simplesmente mudar agora? Já sei o que você está pensando, você queria fuder com nós dois né? Mas, sinto, Felipe, infelizmente não faz esse tipo de cara. Ele na verdade é bem careta na cama, você não iria gostar. Mas, nós duas ainda podemos nos divertir, relembrar os velhos tempos, aprendi umas coisinhas novas que você vai adorar.
Ela se aproximava de mim enquanto falava  eu ficava com mais raiva e não sabia o que fazer, eu estava petrificada, o que diabos etá acontecendo comigo?
— Você só está irritada, mas você sabe que eu sei te fazer ficar calminha.
— Sai daqui.
— Vem, vou te mostrar uma coisa, pelos velhos tempos.
Disse ela se aproximando ainda mais. Meu corpo tremia, eu queria bater nela, muito e forte, mas ao mesmo tempo meu corpo pulsava por ela, era uma contradição tão grande que eu só consegui ficar ali parada.
— Vem comigo, vem? - disse ela molhando os lábios com a lingua e respirando fundo, bem perto de mim.
— Para onde, Amanda? Aliais, o que estão fazendo aqui? 
Era Felipe, outro anjo que me foi enviado, a diferença é que ele estava bem intrigado e não parecia gostar em nada de ver Amanda do meu lado.
— Qual das duas vai me responder?

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