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domingo, 10 de março de 2013

Aquele dia


       Retruquei bastante em escrever sobre isso, a verdade é que as coisas ainda passam como cenas bem feias quando fecho meus olhos e fazem meu coração acelerar, mas não de uma forma boa, afinal, não é todo dia que você se encontra em perigo eminente, mas vamos falar sobre o meu dia. Isto aconteceu em 8 de Março de 2013, comigo e com meus amigos, e por mais que eu não queira lembrar, preciso escrever, não posso simplesmente esquecer, estamos vivos, não? Isso é o que importante.
Esta é uma história real sobre intuição, perigo, medo e, sobretudo: amizade.
Acordei no horário certo, iria para a universidade pela manhã para um evento cultural de cinema, mas acordei com uma tremenda dor de cabeça e um sentimento de “fique na cama” mais forte que o habitual, como não estava me sentindo muito bem resolvi dormir, mas acordei horas depois pensando “marquei com o pessoal, tenho que ir!”, mal tomei banho e logo peguei uma moto para pegar uma condução para Palmeira dos Índios, cheguei lá bem a tempo, mas não conseguia me concentrar, estava inquieta, saí da sala por diversas vezes, mas tentava relaxar, não é sempre que vejo meus amigos juntos na UFAL, meu TCC toma bastante tempo e quando não, é desculpa para minha ausência, e aquela culpa conhecida, a “eu deveria estar estudando”, deixei passar, descontraí com os amigos, após o almoço fomos a uma sala para descansar, Ailton colocou músicas relaxantes que de início eu não sabia de onde vinham, fechava os outros e logo os abria ficava olhando para o teto, a inquietação voltou, eu estava longe do meu normal, mas tentaria ao máximo chegar nele.
Pela tarde mais filmes e mais pensamentos distantes e desconexos, frio, calor, inquietação, assim até o fim, na volta no ônibus esqueci totalmente de minhas angustias infundadas e comecei a conversar com Ana sobre um conto meu, sobre Pretty Little Liars, o motorista pisava fundo e a noite caia bonita do lado de fora, chegamos em Arapiraca e quase todos descemos bem longe de casa para escoltar Ana até a dela, apenas Anne, que descia mais longe não foi conosco, e Juliana foi mais cedo pra casa.
O caminho foi repleto de risadas e brincadeiras, fomos a contragosto de Ana no início, Ailton apareceu do nada também e nos acompanhou, deixamos Ana em casa, brincamos, bebemos água, tudo como o planejado, ela estava em casa em segurança e nós seguimos nossa jornada.
Eu, por ter um péssimo senso de direção mal percebi o quanto distante estávamos e que iríamos cruzar a cidade de um canto ao outro para chegarmos em nossas casas, mas e daí? Estava com meus amigos, e qualquer trajeto se torna menor e mais gostoso quando estamos com eles, sentimos uma segurança que ninguém pode explicar, afinal, amigos são nossos anjos da guarda também, tudo corria bem e a distância se encurtava, eu admirava cada vez mais aquela paisagem bonita de fim de tarde, e as casas e as pessoas começavam a desaparecer, apenas carros de um lado ao outro, mas em algum momento que não consigo recordar não estávamos mais sozinhos, estávamos sendo seguidos, e eis que começa o terror da noite.
Um grupo de jovens, mais novos do que eu e meus amigos estavam atrás de nós num clima bastante descontraído, o suficiente para eu não me preocupar, mas eles se aproximavam cada vez mais, até que ouvi Bárbara dizer algo tipo “vamos acelerar o passo que esse pessoal aqui atrás parece não estar de brincadeira”, não sei se eles ouviram, mas se aproximaram mais de nós, a principio pensei eles vão dizer “ei, não fala isso! Somos gente de bem!”, ou eu quis que eles dissessem isso, mas não disseram e continuavam cochichando e se aproximando, então Bárbara falou novamente não muito tempo depois de ter dito a primeira fala “vamos atravessar a rua”, logo percebi que dois dos rapazes atravessaram a rua, mais um outro rapaz que estava com mochila esportiva, como quem ia para a aula, ali percebi que estávamos cercados, aceleramos ainda mais os passos e eu tentei avisar a frente algum lugar para parar, alguém pra socorrer: não havia ninguém, de um lado um terreno cercado, do outro o cemitério (irônico, até), e o fluxo de carros diminuía cada vez mais, ‘calma, calma, vamos dar um jeito’ foi o que pensei, todos estávamos muito tensos e eles continuavam cochichando, nesse momento dois deles começavam a rir e a trocar alguma coisa entre eles, olho com cuidado e percebo uma das cenas mais aterrorizantes da minha vida, percebi o que eles estavam passando um para a mão do outro: uma faca, não uma faca de mesa uma daquelas grandes mesmo de cortar peixe, ele encaixou e apoiou em seu braço, eu tinha certeza que ele daria voz de assalto naquele momento e fiquei sem saber o que fazer ou como avisar meus amigos, ou se seria pior avisá-los, eis que vi o momento mais crítico: o rapaz maior do grupo estava levantando a faca na direção de Rafa, ele tinha um sorriso muito frio em sua fase, não havia qualquer tensão em suas feições, então tudo aconteceu.
Acredito que a vida é feita de momentos, e que agir nos momentos certos, ou não agir determinam o rumo de nossas vidas, nunca essa frase coube tão bem como naquela sexta-feira, acredito que enxerguei minutos em apenas um segundo, eu que sou sempre tão desligada, apenas nesse piscar enxerguei esse grupo de quatro rapazes agindo, a faca que já estava na direção de Rafa, eu vi cravada em seus pescoço ou costas, o que também vi em Ailton, vi também estes mesmos rapazes atacando a mim e Bárbara, e tudo estava ali, na minha frente e eu não conseguia avisar ninguém, tentei imaginar a reação de cada um de meus amigos se eu simplesmente avisasse, se desse tempo pra isso: Rafa provavelmente tentaria ir contra o cara da faca para nos proteger, Bárbara congelaria e mandaria todos ter calma, Ailton tentaria pensar na forma mais sensata de agir, mas provavelmente também reagiria, e eu? O que eu poderia fazer? Avançar contra um cara maior do que eu com uma faca na mão? Avisar meus amigos e coloca-los em uma situação de perigo maior do que uma faca em suas costas? Eu não poderia fazer muita coisa, mas eu tinha que fazer alguma coisa, dentro de mim eu tinha certeza que se não agisse naquele momento pelo menos um de meus melhores amigos sairia bem machucado dali, isso se saíssemos dali. Eu fiz a única coisa que eu poderia fazer:
Gritei que eles estavam com uma faca, e corri para tentar despistar a atenção do cara da faca, para dar chance a meus amigos de pensarem em fazer alguma coisa, de encontrar alguém na rua, por mais que estivesse vazia, não foi a coisa mais prudente a se fazer, mas situações desesperadas pedem medidas desesperadas, então corri, e só depois de correr percebi que meu grito foi abafado e que provavelmente eles não me ouviram, eles não entenderam porque corri, provavelmente acharam que foi por medo, ou ficaram paralisados quando se deram conta da situação, não sei, sei que eu tinha consciência que não conseguiria correr por muito tempo por conta do meu joelho, em momento algum achei que eles poderiam se machucar, e estava num estado de adrenalina forte o suficiente para não sentir dor, nem quando cai e meu joelho deslocou, ele puxou a alça da minha bolsa que quebrou e eu caí e ele disse “eu disse que não era pra correr”, olhei para trás e vi todos meus amigos parados, o que pensei não tinha dado tão certo assim, não consegui pensar na ação seguinte, mas estava aliviada pelo cara da faca estar longe deles.
Quando não consegui ter esperança alguma, eis que um caminhão para e assusta o assaltante que estava falando alguma coisa para mim, provavelmente ameaças que não consigo lembrar, ele corre e seu grupo o segue, dois homens descem do caminhão e me perguntam se foi um assalto, eu digo que sim e eles correm entre os carros atrás dos assaltantes, eu levanto com certa dificuldade e explico a meus amigos o porque que corri e todos atravessamos a rua, quando um casal numa moto nos fala que o assaltante estava correndo atrás dos homens do caminhão eu fiquei apreensiva, eu tinha colocado todos em perigo eminente e talvez boas pessoas estavam correndo perigo por minha causa, quantas pessoas veem uma coisa dessas acontecendo e simplesmente param e vão perseguir ladrões por causa de pessoas que nem se quer conhece? Expondo suas vidas “de graça?”, se eu vi a maldade nos olhos de um homem naquela noite, eu vi a bondade em dois, e temi por eles.
Estávamos com medo deles voltarem, mesmo temendo por nossos salvadores e querendo saber como estavam saímos daquele local, fui a casa de Danilo totalmente apreensiva, estava tensa, fui estupida com ele mesmo ele não tendo nada a ver com aquilo, mas precisava ir para casa, um caderno meu com meu endereço estava na bolsa roubada, pode parecer absurdo, mas tive medo que eles fossem a minha casa e fizessem algo com minha família também, peguei um taxi com Ailton e Rafael e fui pra casa, e vi minha mãe e irmã saindo de casa aflitas, eis a reviravolta, essa vida é uma caixinha de surpresas no fim das contas.
Desço do carro e minha irmã pergunta se eu realmente fui assaltada, eu me assusto por ela saber e digo que sim, ela diz que minha tia-mãe sentiu que eu não estava bem e ligou para meu celular e um homem que resgatou minha bolsa dos ladrões estava com ele e pediu para irmos buscar, não demorou muito e lá estávamos.
Este rapaz, que deve ser mais velho que eu poucos anos disse que os homens do caminhão perseguiram os ladrões e gritaram para as pessoas da rua para ajudarem... Mais uma demonstração que não esperava nos dias de hoje: as pessoas ajudaram, correram atrás dele (provavelmente os outros rapazes, que eram mais jovens fugiram e os homens do caminhão correram somente atrás do que estava com minha bolsa), ele me explicou que eles lincharam ele e o prenderam em uma casa para a polícia pegar ele e prender. O rapaz que estava com minha bolsa devolveu para mim e disse “está tudo aí, só pegamos o telefone para ligar pra você, pode olhar se quiser!”, não havia o que olhar! Agradeci a eles, e perguntei se os homens, os nossos heróis haviam se machucado e eles disseram que não e isso me aliviou brutalmente, agradeci mais uma vez ao rapaz e a sua família que estava toda na porta, meu pai perguntou quanto ele queria por ter ajudado e ele respondeu “não quero nada, só em devolver já está pago, e se precisar é só bater em nossa porta”, eu só consegui falar “obrigada, você são pessoas do bem!”, e realmente eram, qualquer agradecimento a eles, aos outros vizinhos que não conheci e principalmente aos caminhoneiros é pouco, muito pouco, por vocês, vale a pena viver nesse mundo.
Meus amigos me agradeceram pelo que fiz, mas a verdade é que, mesmo com uma boa intenção, o que fiz foi estupido e insensato, embora eu saiba que na mesma situação eles fariam o que fosse preciso, mesmo que estupido e insensato para me proteger, para proteger qualquer um de nós, porque é nisso que somos feitos.
Eles disseram ainda que havia um dos assaltantes, o mais novo e ele estava com uma faca olhando pra eles, mas se sentindo coagido como se fosse seu primeiro roubo, que seu olhar era tocante, eu realmente não o vi, nem sabia que havia mais de um armado naquele momento, não sei também os motivos que levaram aqueles garotos em nos abordar com peixeiras as seis da noite, sei que a maioria deles estavam descontraídos, tanto quanto eu e meus amigos, e que não sei o que passou pela vida daquele rapaz para ele fazer o que fez, o que poderia ter feito muito pior, mas sei que nada justifica aquele sorriso de prazer, talvez de poder, não sei descrever, mas a energia era péssima, aquele sorriso, aquele olhar meio encoberto pelo boné me fez enxergar em menos de um segundo coisas horríveis o suficiente para acordar de madrugada com medo – o medo que me faltou na ocasião veio com tudo durante a madrugada – e eu não consigo ser um ser humano tão bom como meus amigos e ter enxergado algo de bom no olhar deles, ou talvez a minha posição tenha me feito ver o que eles não viram, mas não consigo achar errado o fato dos vizinhos terem batido nele, porque na minha cabeça, e quero muito que seja só nela, eu vi claramente o que eles iriam fazer, e não havia qualquer compaixão ali, e o que eu senti quando vi os dois homens correndo atrás deles exatamente o que vou falar agora: “quero que eles sejam tratados com a mesma cordialidade que eles trataram e tratariam a mim e a meus amigos”, esse é meu relato, não é tão nobre, nem poético nem tão pouco bonito, mas é sincero.
Agradeço de coração e alma aos caminhoneiros que por pura bondade nos salvaram, aos moradores daquele lugar que nos ajudaram também sem nem saber o que houve, peço perdões a meus amigos e peço por favor se um dia você que está lendo isso aqui não fazer o que fiz, o que tive foi sorte, uma iluminação única, mas foi a única coisa que eu pude fazer ao ver meus amigos passando por algo que eu não desejo a ninguém. Hoje vejo que talvez qualquer reação ou falta de reação traria consequências nada boas para nenhum de nós, por mais insensato que for, fiz o meu melhor, por aqueles que fariam exatamente o mesmo por mim.

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