Chego da rua
meio cambaleante, um tanto quanto bêbada para falar a verdade. O hotel onde
estou hospedada é um lixo, mas até as pulgas falam francês. Ora, o que mais eu
poderia esperar? É minha primeira noite em Paris! Recosto a cabeça na parede e
fecho os olhos, o mundo não para de girar e estou completamente atordoada. Não
saberia dizer ao certo se é por causa do que bebi, ou do que cheirei, talvez
seja do que não comi, mas não me sinto mal, apenas tonta. Minha alma partilha
da escuridão, podridão e lascividade do lugar. Ouço gritos e gemidos de alguém,
acho que algum casal está fazendo o que eu queria fazer nesse exato momento,
deve ser no quarto ao lado. Seria muita ingenuidade minha achar que as paredes
daquela espelunca seriam suficientemente grossas para inibir certos barulhos.
Meu cérebro
volta a funcionar lentamente, ainda acho que devia parar com as drogas.
Relembro tudo o que aprontei nessa primeira noite. Certamente muitas coisas que
jamais faria no meu reino “Tão, Tão Distante”, lá onde sinto-me obrigada a ser
princesa, lá onde não posso ser borralheira nem mesmo de brincadeira. Mas bem,
aqui sou uma completa desconhecida, posso fazer o que quiser e com quem quiser.
Serei toda de Paris e Paris será minha, uma troca mais do que justa. Comecei o
dia viajando, horas e horas dentro daquele avião, não via a hora de estar na
“Cidade Luz”. Já havia estado em Paris tantas vezes, em sonhos, em revistas, em
sites de busca na internet, nos filmes... E depois de tanto tempo querendo
estar aqui, ansiando por essas ruas e belos cafés, o que eu mais queria era ir
a uma grande roda gigante, alguma que me possibilitasse uma vista panorâmica da
cidade. Quero gravar essa cidade em minhas memórias de forma permanente e
minha, uma memória tão minha que jamais pensem em escrever sobre ela, ou
transformá-la em filme. Será algo entre Paris e eu. Porém hoje, bem... Hoje
quis ir além, não queria agir como uma turista qualquer e embora eu queira,
imensamente, visitar a Torre Eiffel, ir a um café chique e ler um livro
enquanto tomo algo gostoso e que esquente meu corpo, hoje eu quis ser francesa.
É isso mesmo, ser francesa. Esquecer tudo antes de hoje e me sentir uma com a
cidade, uma com o povo, uma francesa da gema. E foi o que fiz. Flashes da noite
bailam em minha memória, meus olhos ainda estão entorpecidos pelas substâncias
que ingeri a noite toda. Mas não me arrependo, tenho até uma boina e um
cachecol tipicamente franceses comigo, tudo para jamais me esquecer de que uma
princesa também pode se divertir, sem medos, sem receios...
Ops! Só agora
me dei conta de que estou sem um pé da minha bota... Olho ao redor e nada
encontro. Procuro nos flashes da minha mente, por onde fui, com quem falei, se
havia alguma forma de ter deixado a bota por um dos tantos lugares que fui
hoje. De repente veio um flash mais vívido, mais nítido. Vejo olhos escuros, um
sorriso lindo, encantador. Lábios de um vermelho torturante, pediam beijos.
Cabelos longos e negros. Pele alva, e o português com sotaque francês mais
lindo do universo... Bem, acho que amanhã terei que procurar minha bota.
Izis Vieira
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